Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Um Manifesto com cerca de 20 mil assinaturas contra o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi recentemente entregue ao Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama. Naquele documento são denunciadas «inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades» na anunciada reforma ortográfica, que os signatários consideram ser «mal concebida», «desconchavada», «sem critério de rigor», «desnecessária» e «perniciosa», além de ter «custos financeiros não calculados». «Recusamos – lê-se no Manifesto –, deixar-nos enredar em jogos de interesses, que nada leva a crer de proveito para a língua portuguesa. Para o desenvolvimento civilizacional por que os nossos povos anseiam é imperativa a formação de ampla base cultural (e não apenas a erradicação do analfabetismo), solidamente assente na herança que nos coube e construída segundo as linhas mestras do pensamento científico e dos valores da cidadania».
O Acordo Ortográfico que hoje se debate não é novo. Longe disso. A referida reforma ortográfica deveria ter entrado em vigor em 1994, mas apenas três dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe - aprovaram quer o Acordo quer os dois protocolos modificativos entretanto estabelecidos entre os países membros daquela Comunidade.
Fui várias vezes durante os últimos tempos desafiado para dedicar uma das nossas reflexões a este tema. Todos quantos me desafiaram mostraram-se particularmente críticos relativamente às linhas mestras do novo Acordo, gizando este ou aquele argumento mais ou menos patriótico, mais ou menos técnico, mais ou menos subjectivo. A todos respondi que, embora não concorde globalmente com as alterações introduzidas e considere que se trata, em larga medida, de uma submissão a interesses económicos a vários níveis, não considero que seja propriamente negativo este esforço de uniformização linguística e de preocupação com a promoção da lusofonia. Também afirmei sempre que, embora não concorde com o argumento de que o Brasil tem muitos falantes e que, por isso, sem uma aprovação do Acordo, correremos o risco de ficarmos isolados relativamente ao mundo, não deixo de reconhecer o peso da chamada “língua brasileira” no mundo e que o difícil é mesmo mudar. Portanto, em última análise, não me choca particularmente passar a escrever o título deste espaço, “Directo ao Assunto”, sem o “c” na palavra “directo”. Trata-se, afinal de contas, de um processo natural de adaptação a um novo conjunto de regras resultantes de um normal processo de evolução de uma Língua dita viva.
No entanto, algumas dúvidas bastante pertinentes foram surgindo entretanto. Até que ponto não devemos considerar como particularmente relevante e oportuna a crítica do escritor Vasco Graça Moura quando afirma que a aplicação do Acordo poderá conduzir a um verdadeiro caos no ensino nos oito países? Até que ponto todo o processo de adaptação e mudança não pode conduzir a distorções perniciosas, que releguem para segundo plano as origens clássicas da nossa língua? Até que ponto não será, de facto, mais razoável considerar a legitimidade das diferenças entre as grafias dos diferentes países envolvidos, integrando essa variabilidade - que é, afinal de contas, acima de tudo, cultural – em cada um dos dicionários e vocabulários já existentes?
Mas só decidi verdadeiramente que deveria expor publicamente a minha opinião sobre esta questão quando tive a oportunidade de ser confrontado com as palavras de Fernando Pessoa, quando, no longínquo ano de 1911, portanto há um século atrás, comentou o primeiro Acordo Ortográfico. As palavras falam por si e é com elas que vos deixo esta semana. Disse então o imortal Pessoa: “A linguagem falada é popular, directa e democrática, enquanto a linguagem escrita é aristocrática e racional. Por isso, a perda desta intelecção subjacente à escrita faz-me pensar que estamos a apagar memória e propagar ignorância e facilitismo”.
Até para a semana. Directo à Questão.