Quarta-feira, 24 de Setembro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
O novo fenómeno televisivo em Portugal chama-se “O Momento da Verdade” e é mais uma importação de uma fórmula de sucesso internacional. Naquele programa, é suposto os concorrentes serem confrontados com factos da sua vida pessoal e confirmarem a sua veracidade sob controlo electrónico. As verdades dos participantes valem uns milhares de euros e valem ainda algumas páginas de jornais.
O que trago para reflexão não é a validade do formato do programa, a sua qualidade, ou mesmo o estilo da apresentação, aspectos já de si, muito discutíveis. Mas interessa-me, sobretudo aqui, discutir o que leva alguém a expor desta forma a sua vida privada na televisão e qual o impacto dessa exposição no quotidiano de qualquer indivíduo.
Em primeiro lugar, o que é que leva alguém a concorrer a um programa destes? Os concorrentes sabem, à partida, que vão vender a sua vida privada. Também sabem, ou pelo menos deviam saber, que, ao exporem publicamente a sua intimidade, arriscam-se a magoar aqueles que com eles a partilharam. Também se parte do pressuposto que os participantes conhecem o mediatismo deste tipo de programas e o esforço que será feito para apelar à emoção.
No entanto, antes do programa, tudo isso parece pesar menos que o chorudo prémio em jogo ou as perspectivas de exposição mediática. Depois do programa, é que os participantes se lembram que o mediatismo é efémero e que correm o risco de arruinar a vida por “um punhado de euros”.
Assim sendo, as pessoas que participam neste tipo de concursos são tipicamente sujeitos egocêntricos, ou seja muito centrados em si próprios e na sua vida e muito menos naqueles que os rodeiam. Tendem a ter elevada auto-estima e a valorizarem-se facilmente perante o mundo, maximizando aspectos positivos e minimizando aspectos negativos. Habitualmente movidos pela ganância e pelo mediatismo, são pessoas pouco conscientes da importância dos outros na sua vida. É a típica figura do “Eu é que sei”. E, pelos vistos, há muitos portugueses assim. Em declarações à revista Sábado, Piet-Hein, da CBV Produções Televisivas, produtora do concurso, diz ter recebido entre 600 e 900 candidaturas, só numa primeira fase.
Analisemos então o impacto na vida dos concorrentes de um programa deste género. Caso paradigmático é o do famoso Zé Maria, de Barrancos, vencedor da primeira edição do “Big Brother”, que, posteriormente, tentou suicidar-se e acabou a tomar anti-depressivos e internado em vários hospitais psiquiátricos. Na versão internacional do programa “O Momento da Verdade” – “The Moment of Truth”, existem histórias de concorrentes perseguidos, despedidos e insultados, tentativas de suicídio e vida à custa de anseolíticos e anti-depressivos. Sabe-se que Márcia Brandão, simpática cabeleireira, namorada do primeiro concorrente da versão portuguesa, acabou com o relacionamento ao saber que fora traída mais de quinze vezes. Noticiava-se recentemente que o Sr. José Nogueira, simpático chefe de família, dono de uma mercearia em Gondomar, que participou na segunda edição do programa em Portugal, se arrisca a ver abertos contra si processos judiciais por ter confessado publicamente n’ “O Momento da Verdade” que comprou a carta de condução da filha e inventou uma doença para fugir ao serviço militar.
É indiscutível que estamos a falar de impactos severos na vida dos participantes. Uma doença do foro psiquiátrico existe, por definição, quando os seus sintomas interferem grandemente no funcionamento normal do indivíduo, levando a uma alteração significativa do seu quotidiano. Quantas doenças não arriscam os participantes com tal exposição mediática? O que falta saber é se estão verdadeiramente conscientes disso quando concorrem. Egocêntricos, auto-focados e movidos pela ganância e pelo mediatismo, confessam depois que não estavam preparados para tal reviravolta nas suas vidas. Tarde demais. Pois é…
O formato tem todos os ingredientes de sucesso em Portugal. Emoção do primeiro ao último minuto, exposição da vida privada e sentimentos à flor da pele. Atrás deste programa de puro sensacionalismo e aproveitamento dos sentimentos alheios para ganhar audiências, a SIC criou todo um conjunto de outros programas, “tertúlias cor-de-rosa e companhia”, que se dedicam a analisar, ate à exaustão, cada uma das respostas dos concorrentes d’ “O Momento da Verdade”. E assim, os portugueses vão consumindo lixo televisivo atrás de lixo televisivo. E lá vamos podendo assistir, semanalmente, a um programa que é o espelho da tal sociedade de “brandos costumes”.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quinta-feira, 18 de Setembro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Choro, birras sistemáticas, dificuldade em acalmar e recusa em comer e dormir são características dos bebés irritáveis que levam muitos pais e crianças às urgências hospitalares. Habitualmente, os pais falam de cólicas, mas muito recentemente, com a vulgarização do termo, é comum ouvirmos os pais falarem em “hiperactividade” dos bebés. Mas afinal, as cólicas serão desculpa para tudo? Será que um bebé de meses pode ser “hiperactivo”? E o que será melhor: uma criança rabujenta e agitada ou um bebé calmo e dorminhoco?
Uma coisa é um bebé que chora com regularidade mas consegue manter longos períodos de sono, outra coisa é uma criança que tem dificuldade em acalmar e organizar os ritmos de sono e alimentares. Será que podemos falar em hiperactividade nestes casos?
Parece-nos que a velha máxima de que cada caso é um caso se adapta perfeitamente ao ponto em discussão. Não há diagnósticos-chapéu, ou seja, não existe uma regra. No entanto, sabemos que os bebés são crianças muito sofisticadas que comunicam sistematicamente com a realidade envolvente.
Segundo o Manual Internacional de Diagnóstico das Perturbações Mentais - DSM-IV -, a Hiperactividade é um distúrbio caracterizado por um “padrão persistente de falta de atenção e impulsividade, com uma intensidade mais frequente e grave que o observado habitualmente nos sujeitos com um nível semelhante de desenvolvimento”. Estamos, pois, perante uma doença com critérios de diagnóstico bem definidos, que não se reduzem à agitação psicomotora e irritabilidade. É um distúrbio com alguma prevalência em idade escolar, mas nunca numa fase de desenvolvimento infantil.
Nestas idades, mais do que em hiperactividade, devemos antes falar em depressão, no sentido em que os sintomas comportamentais do bebé não são mais do que uma manifestação do verdadeiro problema da criança: a fraca reacção ou a reacção desadequada a estímulos no meio.
Pedopsiquiatras portugueses têm investigado a influência da depressão materna no comportamento e desenvolvimento emocional das crianças nos primeiros anos de vida, uma vez já ter sido comprovado que o estado emocional das mães pode afectar o bebé. Como referimos, os bebés estão em constante comunicação com a realidade envolvente. Uma gravidez de alto risco implica uma menor taxa de solicitações do meio. Logo, um bebé filho de uma mãe deprimida tem mais probabilidades de desenvolver um problema de atraso de crescimento intra-uterino. Esta criança, uma vez cá fora, longe do conforto do útero materno, vai reagir naturalmente menos aos estímulos da ernvolvente.
Em contrapartida, numa gravidez normal, o bebé, quando vem cá para fora, retoma um conjunto de ligações que lhe permite tranformar-se numa criança calma mas comunicativa, serena mas proactiva, porque já teve um pouco de tudo isso na barriga da mãe. É por isso que as mães grávidas não devem privar-se de emoções. É por isso que a comunicação é de extrema importância durante a gravidez.
Segundo o Professor Eduardo Sá, os bebés que mais preocupam os especialistas em Psicologia Infantil são os que nos berçários nunca dão problemas: “sempre caladinhos, nunca choram quando têm fome, é um pouco «estou mal, mas deixem-me estar», reagem pouco aos estímulos, dormem muito e adequam-se a todas as atitudes dos pais”. Para Eduardo Sá, “estes bebés já estão tão deprimidos que nem têm força para reagir com raiva. Os bebés não são anjos, reagem, choram... esses são os bebés saudáveis”.
Temos pois que deve ser muito mais preocupante para um pai um bebé que não chora, não ri, não tem birras, tem ritmos de sono desorganizados ou então está sempre a dormir, do que um bebé que chora, mexe, ri e faz birras. É a sua reacção natural aos estímulos do meio. É a sua forma de comunicar com o exterior.
Até para a semana. Directo à Questão.
Terça-feira, 9 de Setembro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
A Economia é facilmente entendida como uma ciência exacta, baseada em premissas objectivas ou em previsões matemáticas concretas. Mas será que não existe um lado subjectivo na ciência económica? O desempenho de uma carteira de títulos ou de uma bolsa de valores não será também condicionado por questões comportamentais? Em que medida o lado emocional poderá afectar as decisões de investimento e os retornos obtidos?
Desde há muito que a ciência económica encontra laços fortes com a psicologia. Já em 1759, Adam Smith publicava «The Theory of Moral Sentiments», onde descrevia os princípios psicológicos do comportamento individual. No entanto, foi apenas a partir da década de 60 do século XX que se viu substancialmente desenvolvida a área de estudos científicos sobre o comportamento emocional dos agentes económicos. Procuraram aquelas pesquisas descobrir em que medida o processo de decisão de cada sujeito afecta aspectos e níveis tão diversos como o sobe e desce dos preços, a alocação de activos ou os resultados dos investimentos.
Esta área de investigação é frequentemente designada como “behavioral finance”, a chamada área comportamental das finanças, a qual combina a economia com a ciência cognitiva para explicar o comportamento aparentemente irracional da gestão do risco pelos seres humanos. A esta área encontramos associados os pioneiros trabalhos de Amos Tversky, psicólogo cognitivo. Tversky foi o primeiro autor a demonstrar a racionalidade (ou a falta dela) dos agentes económicos, integrando contributos da área da psicologia e também da teoria económica neo-clássica.
Posteriormente, diversos efeitos psicológicos foram identificados por variadíssimos autores na área das finanças comportamentais. Por exemplo, está provado que os investidores em bolsa tendem a ser mais optimistas sobre o investimento em acções quando o mercado está a subir e mais pessimistas quando está a descer. Os estudos evidenciam também que os investidores dão demasiada importância às informações recentes, ignorando facilmente importantes dados de médio-longo prazo. Os investidores tendem ainda a possuir um certo excesso de confiança sobre o crescimento futuro dos resultados de empresas com preços elevados face aos seus resultados actuais e, em oposição, um certo excesso de pessimismo sobre o crescimento dos resultados de empresas com preços reduzidos face aos seus resultados. Curiosamente, a mesma linha de investigação demonstra ainda que as mulheres tendem a ter uma postura mais orientada para o longo prazo do que os homens, pelo que os seus planos de investimento tendem a produzir melhores resultados. Já os investidores com um nível superior de instrução tendem a obter piores resultados, devido ao seu excesso de confiança. Estudos nesta área concluíram que a dor associada à perda de 1 euro (e respectivos múltiplos, naturalmente) tem o dobro da intensidade do prazer associado ao ganho do mesmo montante.
Mais recentemente, em 2002, Daniel Kahneman, psicólogo de nacionalidade israelita, ganhou o Prémio Nobel de Economia pelos seus trabalhos nesta área. Kahneman é, sem dúvida, o expoente máximo e o mais importante teórico da área das finanças comportamentais na actualidade, contribuindo sobremaneira para a definitiva aproximação entre a ciência económica e a ciência psicológica.
Kahneman afirma que, quando tomamos decisões, nem sempre o fazemos objectivamente e demonstrou que essa falta de objectividade tende a seguir um padrão regular que pode ser explicado matematicamente. O Prémio Nobel concluiu, por exemplo, que os homens são mais afectados pela perda do que pelo ganho e tal efeito deve ser tido em conta nos modelos micro-económicos de apoio à decisão.
Este tipo de padrões comportamentais constitui um dos mais fortes factores explicadores das flutuações nos mercados bolsistas, provando que as emoções condicionam a tomada de decisão económica e que o comportamento de gestão do risco por parte dos investidores depende desta “irracionalidade racional”.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quarta-feira, 3 de Setembro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Os Estados Unidos da América vão a votos em Novembro. É o culminar de todo um ano de intensidade política, mas também de enorme espectáculo e de grande exposição mediática. Apetece dizer… É disto que os americanos gostam. Nesta fase, que vivem com uma emoção incomparável à escala planetária, os americanos redescobrem as suas grandezas mas também os seus defeitos. E mostram ao resto do mundo que o país dos sonhos tem tanto de magia como de ilusão. Apesar do complexo sistema de eleição dos delegados e super-delegados de cada partido e da estranha dinâmica de voto em cada Estado, convenhamos que a eleição presidencial norte-americana se trata efectivamente de um processo emotivo, cheio de espectacularidade e com uma dinâmica invejável.
Com toda a pompa e circunstância, Barack Obama foi oficialmente aclamado como candidato à Casa Branca no último dia da Convenção Democrata, que juntou mais de 75 mil apoiantes reunidos no Estado do Colorado. Parece que ninguém tem dúvidas que ele será o futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Ou será que há motivos para recearmos outro desfecho que não esse?
Nos últimos dias, surgiu a mais dinâmica e inesperada novidade do lado republicano. Sarah Palin, ex-Miss, Governadora do Alasca há dois anos, evangélica de 44 anos, assumidamente pró-armas e pró-petróleo, é a escolhida por McCain para a vice-presidência. Surpresa? Talvez não. Estratégia? Claro que sim.
Enquanto mulher, Sarah Palin faz um evidente piscar de olho a todo o eleitorado democrata que votou em Hillary Clinton e surge relutante em apostar em Obama. Em face da sua idade e do global desconhecimento da sua carreira, Sarah Palin surge como rosto da necessária mudança e renovação, aspecto em que os 72 anos de McCain não parecem ajudar muito.
Mas é na religião, área em que o eleitorado americano é tão sensível, que reside o busílis da questão. É aqui que os republicanos prometem ganhar votos decisivos. Depois de John McCain ter alcançado, segundo as sondagens, o apoio dos protestantes evangélicos, Sarah Palin tem um percurso particularmente apelativo para o eleitorado católico conservador. Assumidamente anti-aborto, é mãe de cinco filhos, assume a importância dos valores familiares e do equilíbrio entre carreira e família, e a cereja no topo do bolo é ter optado por ter tido o filho mais novo sabendo que ia nascer com Síndrome de Down.
Podemos facilmente criticar a escolha de Palin pela sua falta de currículo, pela sua inclusão pelo simples facto de ser mulher, pelo seu excessivo conservadorismo ou mesmo pela sua postura face ao poderoso lobby pró-armas. Mas os americanos é que votam. Segundo um estudo recente, se os europeus votassem, Obama tinha mais de 90% das intenções de voto. No entanto, algumas sondagens nos Estados Unidos, chegam a dar a vitória a McCain.
Mas os americanos é que votam. Sim, os americanos conservadores e avessos à mudança. Os americanos que temem pela sua segurança e não querem, de modo algum, perder a sua posição de hegemonia à escala mundial. Enfim, os americanos pródigos em deixar o resto do mundo à beira de um ataque de nervos.
Como refere Miguel Monjardino no Jornal Expresso desta semana, “De quatro em quatro anos, os europeus têm durante o Verão um sonho americano. Durante este agradável sonho, os americanos elegem um presidente sofisticado, intelectual, progressista, educado nas melhores universidades do país, eloquente, curioso em relação às mais recentes políticas públicas e ao que se passa no estrangeiro. Nessas abençoadas semanas, os europeus acordam optimistas em relação ao futuro do Velho e Novo Continente.
O problema é que a seguir vem o Outono. E com o Outono vem o choque e o pavor. O presidente ardentemente desejado no Velho Continente perde para um candidato conservador, anti-intelectual, céptico em relação ao papel do governo federal, adepto do mercado, retrógrado em questões sociais, religiosas e judiciais, partidário da pena de morte e apologista das virtudes do poder militar Americano.”
Será que o cenário volta a repetir-se este ano? Seguem-se os dois mais intensos meses de uma campanha presidencial como só os americanos nos sabem proporcionar. No próximo dia 4 de Novembro, descobriremos quem ri por último nesta história.
Até para a semana. Directo à Questão.