Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Vivemos tempos turbulentos na economia actual. É um facto indesmentível. A crise instalou-se e tem um impacto social global, num mundo ele próprio cada vez mais globalizado e “globalizante. Trazemos hoje à nossa reflexão um tema de uma enorme actualidade nos conturbados tempos que a economia atravessa e que consideramos que pode constituir uma das melhores respostas face aos desafios impostos pelo mercado em momentos delicados como os que actualmente vivemos. Falemos de microcrédito.
Segundo Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz em 2006, através do microcrédito “mesmo o mais pobre dos pobres pode trabalhar no sentido do seu próprio desenvolvimento”. Assim, o microcrédito, mais do que uma inestimável estratégia de criação de emprego, constitui um verdadeiro instrumento de luta contra a pobreza e exclusão social.
O microcrédito é um processo de capacitação e de autonomização socioeconómica de pessoas, famílias e outros grupos sociais, baseado em duas ideias fundamentais: é pequeno na quantidade de dinheiro emprestado, mas é grande na convicção de que as pessoas têm capacidade para superar os seus limites e dificuldades.
Assim, o microcrédito valoriza, sobretudo, a capacidade de iniciativa, a vontade de cada um se tornar fazedor de um novo projecto de vida. Criar o seu próprio emprego e libertar-se da dependência de medidas de natureza assistencial, são algumas das suas mais valias. Por outro lado, esta via contribui ainda para a dinamização da actividade económica, em particular a nível local.
O microcrédito pressupõe a existência de uma boa ideia de negócio e a ausência de possibilidade de acesso ao mercado financeiro para a concretização dessa ideia. É por isso que o microcrédito, a inovação e o empreendedorismo são conceitos indissociáveis. Estes conceitos assentam num denominador comum: a motivação.
Já dizia um dos maiores gurus da gestão, Peter Drucker, que o “empreendedorismo não é uma ciência, nem uma arte. É uma prática”. O empreendedorismo é considerado o conjunto de comportamentos e actividades adoptados por pessoas que detectam uma oportunidade de negócio e se dedicam à criação de uma nova empresa para explorar essa oportunidade.
O empreendedor não é, pois, apenas aquele que tem uma excelente ideia. É aquele que faz. É aquele que é capaz de a colocar em prática. Uma boa ideia só é uma ideia empreendedora quando é colocada no terreno. Nesse sentido, o empreendedor é aquele que é capaz de conceber, de por em prática, e de instilar nos que o acompanham, uma atitude de desafio permanente, de vontade, de superação da indiferença.
Esta tónica colocada na vertente social do empreendedorismo tem o mérito de apontar para a possibilidade de transformação das condições de vida dos indivíduos, fazendo a capacidade empreendedora depender não apenas das competências individuais, mas também e sobretudo, das relações sociais do empreendedor. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor, os empreendedores já não são só os capitalistas com recursos e acesso a oportunidades, mas também os indivíduos e comunidades motivados pela necessidade – os micro-empreendedores.
Estudos recentes sobre o empreendedorismo social afirmam que este se desenvolve em áreas e grupos sociais mais desfavorecidos em que o mercado tem vindo a falhar, nomeadamente nas mulheres, nos jovens, nos reformados, nos portadores de deficiência e nos desempregados.
O empreendedorismo social pode, pois, ser entendido como um processo de transformação sistémica. Neste contexto, as políticas de promoção e estímulo ao comportamento empreendedor podem aspirar a que as inovações sociais tenham um impacto mais amplo nos mecanismos de combate à exclusão social.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quarta-feira, 22 de Outubro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Aí está o computador Magalhães no primeiro ciclo do Ensino Básico. O mediático aparelho informático prepara-se para chegar às escolas portuguesas. O que será que podemos esperar da introdução do Magalhães no nosso sistema de ensino?
Sob o ponto de vista meramente pedagógico, é efectivamente discutível se a introdução do Magalhães pode produzir ganhos efectivos para os alunos em termos da aquisição das competências pedagógicas básicas. De facto, as metodologias e técnicas pedagógicas utilizadas para a aquisição e desenvolvimento dos processos psico-linguísticos básicos da leitura e da capacidade de raciocínio numérico e lógico-abstracto não se substituem à introdução da informática no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, não tenho dúvidas que, sem se sobreporem às tradicionais técnicas de ensino, as tecnologias de informação e comunicação podem constituir um complemento fundamental para as aquisições básicas de aprendizagem no primeiro ciclo do Ensino Básico.
Para além de poder constituir-se como um importante apoio ao processo de ensino, complementando as técnicas pedagógicas já existentes e contribuindo para um aumento do factor motivacional junto dos alunos, o Magalhães pode ainda desempenhar um importante papel enquanto facilitador do acesso às tecnologias de informação e comunicação. Falamos, pois, da introdução de um computador na casa dos portugueses, muitos deles que, de outra forma, não estariam sensíveis para a importância de um acesso precoce às tecnologias de informação e comunicação. Falamos também aqui da importância social desta medida, uma vez que pode contribuir para um esbater das diferenças no acesso a um bem essencial dos nossos tempos, a sociedade da informação.
Parece-me que o computador Magalhães possui ainda a mais-valia de desempenhar um papel determinante na mobilização dos pais para o processo educativo dos filhos. Basta pensar na influência das crianças sobre os pais, na sua importância na modelização de comportamentos dos próprios encarregados de educação. Com a generalização do acesso às tecnologias de informação e comunicação nos vários níveis de ensino, espera-se que sejam os próprios alunos a sensibilizar os pais para a importância da informação nesta sociedade do conhecimento, contribuindo assim para a diminuição da info-exclusão junto das famílias portuguesas.
De referir, finalmente, a necessidade de uma formação adequada dos professores, para que a introdução do Magalhães possa efectivamente constituir uma importante mais-valia no sistema educativo, em particular no primeiro ciclo do ensino básico. Essa formação deve passar pela info-inclusão dos próprios docentes, tendo em vista a tal complementaridade necessária entre os métodos de ensino assistidos por computador e as ditas “clássicas” metodologias e técnicas pedagógicas de aquisição de competências básicas, como a leitura, a escrita ou a matemática.
A introdução do Magalhães nas casas de milhares de portugueses deve, pois, ser encarada, não como uma ameaça à aprendizagem das crianças, mas, sobretudo, como uma oportunidade. Uma oportunidade de ouro para a tão almejada generalização das tecnologias de informação e comunicação junto da população portuguesa. Rumo à necessária info-inclusão dos portugueses.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quarta-feira, 15 de Outubro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
No último dia 23 de Setembro sonhava. Era mais uma solarenga manhã de Outono em terras de Celinda. Os ouvidos de quem passava focavam-se na pequena telefonia de bolso. O mais ferrenho adepto acompanhava segundo a segundo o sorteio que prometia. E não é que as bolas extraídas na Sede da Federação Portuguesa de Futebol voltavam a ditar festa da Taça na Sertã? Uma vez mais, o orgulho dos sertaginenses elevava-se ao seu máximo esplendor. Pela segunda vez no mesmo ano civil e pela segunda época futebolística consecutiva, o Sertanense, da modesta Série D da Terceira Divisão Nacional, recebe o todo-poderoso campeão nacional.
Fazem-se programas sobre as “ligas dos últimos”, que dão voz aos pequenos clubes e nos mostram o Portugal profundo como ele é. Clubes que um dia foram grandes. Clubes que sonham diariamente pelo seu momento de fama. Clubes da minha e da sua terra, uns melhor geridos que outros, uns com melhor saúde financeira que outros, um com mais adeptos que outros, uns com mais história que outros.
No meu sonho, o Sertanense era a prova de que é possível tornear o destino. Não temos sempre que sucumbir ao clássico fatalismo luso. Não podermos resignar-nos a um destino de pequenez. Nem todos têm que ser sempre últimos. Afinal, no tal Portugal profundo também há grandes clubes. Clubes que conseguem proporcionar aos seus adeptos dias épicos de emoção, sem se resignarem ao seu estatuto de pequenos.
No meu sonho, o Sertanense era simultaneamente fonte de inveja e de orgulho para as gentes da região. Inveja porque só um clube conseguira nos últimos anos trazer jogos grandes ao interior do país. Orgulho porque fora um clube capaz de representar toda uma região que gosta e sabe apreciar bom futebol. O clube da Sertã colocava o nosso humilde concelho no mapa do futebol nacional. O Sertanense mostrava que a boa gestão, o querer e a raça dentro do campo e alguma pontinha de sorte – afinal de contas o futebol não vive sem ela! – podem transformar o sonho em realidade.
Realidade? E se o meu sonho afinal não fosse um sonho?
Acordei. Afinal era real. Afinal é real!
O Sertanense volta a ser grande no próximo sábado. A Sertã volta a ser palco privilegiado de emoções. Ganha quem luta, dia após dia, dentro e fora de campo, do roupeiro ao massagista, por tornar reais sonhos como este. Ganham as gentes da região. Ganha a festa do futebol. Parabéns Sertanense! E – claro, é um chavão! – que ganhe o melhor! Eu não acredito em milagres!... Mas acredito nas pessoas! O Sertanense já provou vezes suficientes que é preciso acreditar. E que é possível vencer. Independentemente do resultado do próximo dia 18, o Sertanense já venceu. Porque não precisa de voltar a provar a sua capacidade organizativa. Porque é um exemplo de entrega e combatividade em campo. Porque sabe honrar a Sertã e tudo o que nos identifica como região. Neste momento, é impossível ficar indiferente a este clube, é impossível ser da Sertã e não ter orgulho no clube da terra, é impossível não ter uma costela do Sertanense.
Só falta mesmo marcar mais golos que o adversário no sábado. Mesmo que ele seja tão somente o fortíssimo Futebol Clube do Porto. Eu acredito. Força Sertanense!
Até para a semana. Directo à Questão.
Quarta-feira, 8 de Outubro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Na nossa última reflexão, lançámos um conjunto de números em torno da Educação no nosso país, que nos conduzem a algumas certezas, mas sobretudo a muitas interrogações a propósito dos crónicos problemas associados ao Sistema de Ensino português.
A formação profissional tem sido apresentada como “a solução” para alguns destes problemas. Contudo, tenho muitas dúvidas que o tipo e qualidade da formação profissional dada pelo Estado ou por empresas de formação tenha impacto significativo na vida dos formandos, seja por via da empregabilidade, por via do incremento dos salários ou por via do ajustamento profissional. A este nível é importante avaliar e delinear uma estratégia clara com objectivos intermédios, que oriente a formação para sectores-chave, munindo os formandos de competências relevantes que os valorizem, pessoal e profissionalmente.
A formação poderá constituir-se como uma arma eficaz na luta pela competitividade se conseguir efectivamente compensar os baixos níveis educativos daqueles que se encontram activos, contribuindo ainda para o acréscimo da empregabilidade dos que se encontram em situação de exclusão do mercado de trabalho, e para a redução das diferenças de qualificação associadas aos níveis de escolaridade.
Porém, os padrões de oferta e de participação na educação e formação complementar que se encontram na maior parte dos países da OCDE, apenas contribuem, na realidade, para aumentar o fosso existente entre trabalhadores – ou seja, a formação tende, nestes países, a reforçar as diferenças de qualificação derivadas das desigualdades de escolarização.
O sistema de formação encontra-se, deste modo, sob forte pressão social. Se, por um lado, deve satisfazer em qualidade e em quantidade a procura de qualificações, antecipar as mudanças e criar mecanismos para a aprendizagem ao longo da vida, por outro lado, é solicitado para atenuar ou corrigir os efeitos negativos do funcionamento do mercado de trabalho.
A formação profissional ao longo da vida emerge como um dos mecanismos essenciais de adaptação individual às exigências colocadas pelas transformações organizacionais (tidas como inevitáveis e homogéneas, à luz de um ponto de vista “neoliberal”) e pelo determinismo tecnocrático da sociedade da informação. A formação profissional deve ser compreendida, portanto, não como um mecanismo de aquisição de conhecimentos de curto prazo, mas antes como um meio de reestruturação pessoal, no sentido de um enriquecimento das capacidades, dos comportamentos, das atitudes e dos saberes individuais, e uma forma de reconfiguração dos sistemas sociais organizados.
Existem três objectivos latos em formação, cada um deles com aspectos metodológicos específicos associados a cada uma das competências apresentadas: o Saber Saber, que pretende reforçar as competências conceptuais através da transmissão de informação; o Saber fazer, que visa o reforço das competências técnicas por via do desenvolvimento de habilidades; e o Saber Ser, orientado para o reforço das competências humanas, por intermédio da modificação atitudinal.
Embora muitas vezes a formação seja pensada como um momento de aprendizagem que se inicia e termina em sala, a verdade é que tem vindo a operar-se uma mudança significativa dos processos de aprendizagem. A formação em sala destina-se sobretudo a estimular a reflexão prática dos diversos agentes envolvidos, aparecendo a aprendizagem em contexto de trabalho como o culminar deste processo, sobretudo a nível técnico.
O conceito de aprendizagem envolve muito mais do que a implementação de meras acções de curto prazo. Enquanto a formação profissional não constituir uma verdadeira ponte entre a Escola e o Mundo do Trabalho, numa perspectiva temporal de futuro orientada para o longo prazo, nunca produzirá o impacto social desejável que se pretende nas pessoas e nas organizações.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quinta-feira, 2 de Outubro de 2008
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
É líquido que o investimento do país em educação nos últimos anos não teve tradução em melhorias significativas no sistema, quer ao nível da prevenção do abandono escolar, quer dos resultados em saberes nucleares. Nos últimos 10 anos, os gastos públicos na educação cresceram de modo singular. Segundo dados daquele Ministério, os gastos anuais em educação ascendem a mais de 6 mil milhões de euros, perfazendo 4.1% do PIB nacional.
Com efeito, tendo em conta os dados do Eurostat para 2002, a taxa de pessoas dos 24 aos 65 anos que completaram, pelo menos, o ensino secundário era de 64.2% para a média dos países da OCDE e em Portugal de uns baixos 20.6%. O ouvinte mais informado será imediatamente levado a notar que estes dados são expectáveis, tendo em conta os atrasos históricos de Portugal nesta matéria e a faixa etária considerada. Todavia, infelizmente, o panorama actual não é animador. No intervalo de idades entre 20 e 24 anos, a percentagem de alunos com baixo nível de escolaridade e que não frequentam o ensino ronda os 50%.
O Estudo PISA (Programme for International Student Assessment) foi lançado pela OCDE, em 1997. Os resultados obtidos permitem monitorizar, de uma forma regular, os resultados dos sistemas educativos em termos do desempenho dos alunos, no contexto de um enquadramento conceptual aceite internacionalmente. Segundo os dados daquele Estudo, os resultados dos alunos em ciências, matemática e domínio da língua não são satisfatórios. De facto, em problemas matemáticos simples, os alunos portugueses pontuam abaixo da média de 29 países da OCDE, com diferenças estatisticamente significativas, apenas superando Itália, Grécia, Turquia e México.
A conceptualização do problema da educação em Portugal é, pois, de extrema complexidade. O contexto educativo encontra-se carregado de paradoxos e vicissitudes que minam o próprio funcionamento das estruturas e dos actores que constroem a realidade escolar.
Apesar dos recentes esforços governativos, o ensino continua demasiado estandardizado, sobretudo até ao 9.º ano. Continuam a faltar verdadeiras alternativas profissionalizantes de aprendizagem, não apenas direccionadas para alunos de risco. Neste sistema, continua a ser difícil conseguir que muitos jovens prossigam a sua carreira numa escola que não corresponde às suas características idiossincráticas. Um sistema de ensino que valoriza quase exclusivamente o raciocínio lógico-abstracto e numérico e não tem em conta outras aptidões pessoais, conduz facilmente ao desinteresse dos alunos pelas matérias escolares. Deste modo, é particularmente importante desenvolver currículos vocacionais profissionalizantes, orientados para os desafios do futuro, que complementem o actual sistema, elevando, depois, a escolaridade obrigatória para o 12.º ano.
Na transição do ensino secundário para o ensino superior também identificamos um factor de relevo na diminuição da competitividade do país. A quantidade e distribuição dos cursos superiores é perfeitamente injustificável perante os desafios actuais. Citando o Parecer de Iniciativa sobre a Estratégia de Lisboa emanado do Conselho Económico e Social, “é, igualmente, de registar o elevado crescimento de desempregados licenciados, o que parece ser contraditório num mercado em que persistem elevadas carências de recursos humanos qualificados”. Parece, mas não é contraditório. Este facto deve-se à enorme discrepância entre a procura de cursos superiores por parte dos alunos (elevada em Ciências Sociais, Letras, Ensino) e a procura de licenciados no mercado de trabalho (elevada sobretudo em ciências e tecnologias, saúde), sendo que a oferta das escolas privilegia a primeira.
Parece-nos que a solução para este problema passa pelo aumento do grau de auto-conhecimentoda própria sociedade, obrigando as escolas superiores (ou, idealmente, entidades externas) a efectuar estudos em torno da empregabilidade, satisfação, inserção profissional e outros factores relacionados com os cursos que ministram, como se procede em muitas universidades estrangeiras, desde há longos anos. Concomitantemente, é imperioso reduzir a miscelânea de designações que actualmente existem, reduzindo a confusão, optimizando informação e recursos preciosos. A aplicação do Protocolo de Bolonha aponta nesse sentido, contudo verificamos que os verdadeiros pressupostos do Tratado de Bolonha, três anos depois da sua aplicação no nosso país, continuam muito difusos para a maioria das instituições do Ensino Superior.
Até para a semana. Directo à Questão.