Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2008

Dos direitos sociais enquanto terceira geração dos direitos de cidadania à emergência de uma nova geração de direitos humanos

 

Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
 
Como temos discutido nas últimas reflexões, a cidadania humana concretiza-se na vida concreta, no quotidiano, na dinâmica das relações sociais. Para que a convivência entre todos seja possível, o homem tem lutado, ao longo da História, por condições justas e dignas de convivência e, a partir dessas lutas, vem estabelecendo colectivamente essas condições sob a forma de direitos.
A primeira carta de direitos, o "Bill of Rights", foi formulada na Inglaterra do século desassete, na sequência de uma revolução que opôs os grandes comerciantes e proprietários de terras com expressão no Parlamento ao rei absolutista Jaime II e seus seguidores.
A experiência inglesa terá inspirado os colonos norte-americanos que se revoltaram contra o domínio da Inglaterra em 1776. Em 1791, a Constituição Americana incorporou os direitos e as liberdades individuais nas suas dez primeiras emendas.
Contudo, o documento-chave para a afirmação dos direitos humanos foi a "Declaração dos Direitos do Homem", proclamada na França, em 1789, no contexto da Revolução Francesa. Era uma revolução contra o poder absoluto do rei e pelo fim dos privilégios do clero e da aristocracia. Ao contrário dos ingleses, que afirmavam direitos apenas para os nascidos no seu país, a declaração francesa proclamava os direitos do homem e do cidadão para a humanidade inteira, pelo que passámos a falar de direitos universais.
No século dezanove, a Revolução Industrial inglesa trouxe novos problemas sociais. O crescimento dos aglomerados urbanos, com o aparecimento das unidades fabris e as consequentes dificuldades dos operários e da população pobre, favoreceu a organização dos primeiros sindicatos. Nesse contexto, sob a influência do pensamento socialista, o movimento sindical europeu questionou a enorme distância entre os princípios inscritos nas declarações de direitos e a dura realidade vivida pelos operários, nomeadamente as extensas jornadas de trabalho, os baixos salários e as dificuldades com a habitação, a saúde e a educação dos filhos.
A partir desses movimentos sociais, surge a chamada “segunda geração de direitos humanos”. Se os direitos da primeira geração tinham por referência a liberdade, estes têm como tónica a igualdade. São os chamados direitos sociais, económicos e culturais e incluem, entre outros, o direito ao trabalho, organização sindical, greve, estabilidade no emprego, segurança no trabalho, previdência social, saúde, educação gratuita e acesso à cultura e habitação.
Já no século vinte, as grandes guerras mundiais representaram violações sistemáticas e desenfreadas dos direitos do homem e do cidadão, mobilizando governos, entidades e movimentos sociais, em diferentes países, na busca de padrões aceitáveis de convivência inter e intra nações. O documento que sintetiza essas preocupações e que se constitui na grande referência até hoje é a Declaração Universal de Direitos Humanos, votada pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas há precisamente sessenta anos.
Na segunda metade do século passado, os conflitos decorrentes da nova e complexa organização mundial no pós–guerra colocaram novas questões relativas aos direitos do homem e do cidadão. A persistência de desigualdades sociais desencadeou uma terceira geração de direitos: os direitos de solidariedade, como o direito à paz, ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, à informática e à defesa da vida privada.
Multiplicaram-se então as declarações que procuram traduzir os direitos não apenas para os “Homens” genéricos, mas também fazendo referência a grupos específicos, como a mulher, a criança, o adolescente, o idoso, os portadores de deficiência, os consumidores ou as minorias étnicas.
Dia após dia, numa sociedade em constante mudança, novos desafios, conflitos e necessidades sociais obrigam a uma (re)definição constante dos direitos humanos e de cidadania: não apenas a garantia dos direitos já expressos, mas também e sobretudo, a conquista de novos direitos. Falamos hoje da emergência de uma nova geração de direitos, a quarta, ligada às novas tecnologias e à liberdade individual.
Alguns constitucionalistas, em vez de gerações das declarações dos direitos, preferem a falar em dimensões das declarações dos direitos, procurando sugerir não a ideia de uma mera substituição ou superação de uma geração de direitos por outra, mas sim a perspectiva de um aperfeiçoamento e de uma complementação contínuos das declarações dos direitos em função das constantes transformações sociais, cada nova dimensão preservando, enriquecendo e ampliando as conquistas das dimensões anteriores.
 
Boas festas!!!
 
Até para a semana. Directo à Questão.
 
publicado por Ricardo às 18:51
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Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2008

A Propósito do Décimo Aniversário da Entrega do Prémio Nobel da Literatura ao Português José Saramago

 

 
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
 
A propósito do décimo aniversário da entrega do Prémio Nobel da Literatura ao português José Saramago, aqui fica o seu poema “Fala do Velho do Restelo ao Astronauta”:
 
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
 
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
 
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
 
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
 
A “Fala do Velho do Restelo ao Astronauta”, de José Saramago. Na sequência da nossa última reflexão sobre cidadania, direitos humanos e inclusão, estas palavras de Saramago trazem até nós um sempre actual retrato de uma sociedade em que a discriminação social continua a ser uma realidade. Será que o facto de a entrega do Nobel a Saramago coincidir com a efeméride da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem constitui uma enorme coincidência? Decerto que não. Ou não fosse o galardoado um eterno preocupado com as questões sociais e humanitárias.
A cidadania humana concretiza-se na vida concreta, no quotidiano, na dinâmica das relações sociais. Para que a convivência entre todos seja possível, o homem tem lutado, ao longo da História, por condições justas e dignas de convivência e, a partir dessas lutas e conflitos sociais, vem estabelecendo colectivamente essas condições sob a forma de direitos. Actualmente, muitos desses direitos estão garantidos em Declarações, Tratados e Constituições, mas não são efectivamente respeitados no quotidiano da maioria da população mundial.
Muitas das consciências não interiorizaram ainda que todos nós, cidadãos, temos direitos e deveres. A discriminação, o abandono, a violência e a ausência de dignidade, enfim, todas as formas de exclusão, constituem uma grave violação dos Direitos Humanos, há sessenta anos proclamados pela Organização das Nações Unidas.
A pobreza e a exclusão social não são uma fatalidade ou uma má sorte que bate à porta dos mais vulneráveis aos fenómenos de pobreza. O desenvolvimento inclusivo é um desafio que impende sobre cada um de nós, cidadãos, conscientes dos seus direitos e responsabilidades, preocupados com o bem-estar dos outros, coerentes nas suas opiniões e argumentos, influentes através da sua acção, activos na sua vida comunitária e responsáveis pela mudança.
Falamos aqui dos direitos sociais enquanto a chamada “terceira geração” dos direitos humanos e de cidadania. É sobre este tema que debruçaremos a nossa análise na próxima reflexão.
 
Boas festas!!!
 
Até para a semana. Directo à Questão.
 
publicado por Ricardo às 00:33
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Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2008

“Nós… Cidadãos”: A Cidadania e os Direitos Humanos

 

Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Hoje o Mundo comemora o sexagésimo aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O primeiro artigo daquele documento, formalmente adoptado e proclamado pela Organização das Nações Unidas no dia 10 de Dezembro de 1948, tem a seguinte redacção: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”    
A ideia de cidadania activa afirma-se historicamente com a expansão dos movimentos de massas e com a luta pela conquista dos direitos universais, precisamente há sessenta anos proclamados pela ONU. A cidadania, no mundo contemporâneo, prescinde da exigência dos vínculos comunitários tradicionais, não se reduz à pura afirmação da liberdade em face ao Estado, age na esfera da liberdade e pressupõe uma visão participada de cultura social e política.
Contudo, hoje como ontem, ainda não conseguimos interiorizar verdadeiramente a noção de participação cívica. Urge ensinar a comunidade a participar, dando voz ao cidadão comum, fazendo uso dos seus mais elementares direitos. Estamos definitivamente diante de um novo paradigma que engloba a busca de solução dos problemas sociais, o empenho na melhoria da qualidade de vida e a aposta nas conquistas significativas de cidadania, devidamente partilhadas.
Mais importante do que a forma, será, no entanto, a capacidade de aceitar o princípio de que a cidadania é um direito que não pode ser postergado, antes deve ser estimulado como complemento indispensável ao desejável aperfeiçoamento das virtualidades da democracia.
Não há cidadania de forma espontânea. O desempenho da cidadania exige um enorme esforço colectivo e individual. A cidadania é simultaneamente inclusiva, se se entender por inclusão o consenso mínimo em torno de valores de tipo constitucional, e exclusiva, se se entender por exclusão o direito à afirmação da diferença.
A sociedade é mais rica com cidadãos activos, informados e responsáveis para assumir o seu papel na comunidade e contribuir para o processo de desenvolvimento. Perante a diversidade e complexidade das sociedades do nosso tempo, é necessária uma educação integral, inclusiva e ao longo da vida.
No caso dos jovens, a Educação para a Cidadania não só contribui para o desenvolvimento de práticas e experiências necessárias à compreensão dos direitos e responsabilidades e prepara para as mudanças e oportunidades vindouras, mas também motiva e melhora as relações na comunidade de pertença e os níveis de participação na vida pública a diferentes escalas.
A Educação para a Cidadania é, pois, um processo ao longo da vida, que começa no meio familiar e no meio vicinal das crianças com as questões da identidade, relações interpessoais, escolhas, justiça, bem e mal, e desenvolve-se na medida em que se expandem os horizontes de vida.
Com efeito, as sociedades dependem de cidadãos conscientes dos seus direitos e responsabilidades, informados acerca dos temas políticos e sociais, preocupados com o bem-estar dos outros, coerentes nas suas opiniões e argumentos, influentes através da sua acção, activos na sua vida comunitária e responsáveis na sua acção cívica. Assim, a Educação para a Cidadania deve ser relevante para o quotidiano e as experiências dos jovens, progressiva e desenvolvimentista. E a Escola é, por inerência, o palco privilegiado de reforço da socialização e de formação da consciência cidadã.
A Cidadania aprende-se e.... Apreende-se.
Até para a semana. Directo à Questão.
publicado por Ricardo às 10:49
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Quarta-feira, 3 de Dezembro de 2008

Dia Internacional das Pessoas com Deficiência: “Não discriminação... igual a… inclusão social!"

 

Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
“Não discriminação... igual a… inclusão social!"
Foi este o lema do Congresso Europeu sobre Deficiência, realizado em 2002 e que saudou a proclamação do ano de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, no sentido da necessidade de alertar a consciência da opinião pública sobre os direitos dos mais de 50 milhões de europeus com deficiência. Hoje, dia 3 de Dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, mais do que nunca, devemos assumir que os problemas das pessoas com deficiência ultrapassam as meras questões específicas de saúde, educação, transportes, barreiras arquitectónicas e outras, para se situarem no plano mais vasto dos Direitos Humanos.
A forma como o Poder e o próprio Cidadão Comum organiza a vida, as localidades, as infra-estruturas de educação e de cultura, a lógica produtiva e organizativa das empresas, marginaliza uma parte considerável da população, designadamente a população portadora de diferenças, físicas, psíquicas, ou ambas. Os cidadãos deficientes raramente têm oportunidade de assumir a sua condição de cidadãos de pleno direito.
Em 9 de Dezembro de 1975, o Comité Social Humanitário e Cultural da ONU aprovou uma Resolução em que proclama a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, apelando a que seja tomada por todos os países, para assegurar que ela seja utilizada como base comum de referência, relativamente aos cidadãos portadores de deficiência.
Aquela Resolução apela ao conceito de Desenvolvimento Inclusivo, que visa, essencialmente, a concepção e implementação de acções e políticas para o desenvolvimento sócio económico e humano, fomentando a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independentemente do status social, sexo, idade, condição física ou mental, raça ou religião.
O desenvolvimento inclusivo aproveita e potencia a ampliação dos direitos e capacidades de cada uma das dimensões do ser humano (económica, social, política, cultural) na sua diversidade e especificidade, com base na procura e garantia do acesso universal, da igualdade de oportunidades e da equidade.
É neste contexto que a chamada CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – constitui actualmente o instrumento de referência para a percepção, interpretação e intervenção na área da deficiência humana. Esta classificação, comummente adoptada pelos diferentes sistemas de informação de saúde e pelos vários profissionais ligados à intervenção junto do cidadão portador de deficiência, apresenta uma base científica para a compreensão e estudo da deficiência.
A CIF defende que, ainda que não exista uma única definição de deficiência, ou melhor, de capacidade limitada, poderá definir-se como o resultado da interacção de deficiências físicas, sensoriais ou mentais com o ambiente físico, social e cultural. A capacidade limitada do indivíduo resulta, pois, da interacção entre uma variável que tem a ver com a funcionalidade da pessoa, e outra variável que tem a ver com factores ambientais e organizacionais.
Muitas das consciências não interiorizaram ainda que os cidadãos com deficiência têm, como os outros, direitos e deveres. Os estigmas que impendem sobre o cidadão com diferenças não foram ultrapassados, marcando ainda, de um modo geral, os comportamentos sociais. A discriminação constitui uma violação dos Direitos Humanos. Não é característica apenas de países ditos menos desenvolvidos, mora no espírito do Homem, no mais íntimo da sua consciência.
Até para a semana. Directo à Questão.
publicado por Ricardo às 09:36
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