Quarta-feira, 30 de Dezembro de 2009
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
De António Gedeão, “Dia de Natal”.
Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá
-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
Até para a semana. Directo à Questão.
Quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
A propósito de toda uma “nova” Europa que se ergue com o recém-adoptado Tratado de Lisboa, prosseguimos esta semana a nossa reflexão sobre o processo de construção europeia.
Em 1981 e em 1986, as adesões à União, primeiro da Grécia, depois da Espanha e de Portugal, reforçaram o flanco sul da Comunidade, tornando mais imperativa a execução de programas estruturais destinados a reduzir as disparidades de desenvolvimento económico entre os Doze. Paralelamente, a Comunidade afirmou a sua posição no plano internacional, ao reforçar as relações contratuais estabelecidas com os países do Sul do Mediterrâneo e ainda com os países da África, das Caraíbas e do Pacífico, membros associados da Comunidade Europeia no quadro das sucessivas convenções de Lomé, entre 1975 e 1989.
O "europessimismo" ou “eurocepticismo”, que se propagou no início dos anos 80, alimentado quer pelos efeitos da crise económica mundial quer por difíceis debates a nível interno sobre a repartição dos encargos financeiros, deu lugar a uma nova esperança de relançamento da dinâmica europeia, a partir de 1985. Com base num "livro branco", apresentado em 1985 pela Comissão presidida por Jacques Delors, a Comunidade decidiu levar a efeito, até 1 de Janeiro de 1993, a construção do grande mercado interno. Este objectivo foi consagrado no Acto Único Europeu assinado em Fevereiro de 1986.
A queda do Muro de Berlim, efeméride que agora celebra 20 anos, seguida da reunificação alemã em Outubro de 1990, e a democratização dos países da Europa Central e Oriental libertados da extinta União Soviética, a partir de 1991, transformaram profundamente a estrutura política do velho continente. O Tratado de Maastricht, que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1993, fixou um programa ambicioso para os Estados-membros: União Monetária até 1999, novas políticas comuns, cidadania europeia, política externa e de segurança comum, segurança interna. A cláusula de revisão contida no Tratado da União Europeia levou os Estados-membros a negociar um novo Tratado, assinado em Amsterdão em 2 de Outubro de 1997, que adaptou e reforçou as políticas e os meios da União, nomeadamente nos domínios da cooperação judiciária, da livre circulação das pessoas, da política externa e da saúde pública.
Em 1 de Janeiro de 1995, três novos países aderiram à União Europeia. A Áustria, a Finlândia e a Suécia enriqueceram a União pela sua especificidade e pela abertura de novas dimensões no espaço da Europa Central e da Europa Setentrional. Em 2005, é concretizado o alargamento aos dez países da Europa Central e Oriental e a Chipre, com os quais o Conselho Europeu do Luxemburgo decidiu iniciar as negociações de adesão na Primavera de 1998. A estes, juntaram-se A e B, em 2007.
Não é possível enfrentar este desafio de uma Europa a 27 sem esforços. É este o desafio do Tratado de Lisboa, recentemente assinado pelos Estados-membros. Como primeira potência comercial mundial, a União está presentemente a dotar-se dos instrumentos que lhe permitem afirmar a sua identidade na cena internacional e a sua ambição é conseguir ter uma política externa e de segurança comum, sem esquecer os desafios sociais, consagrados na Cimeira de Lisboa, em Março de 2000. As principais resoluções traçadas na capital portuguesa no início do milénio passam por uma política comum para a sociedade da informação, pela renovação do modelo social europeu, pela generalização da formação ao longo da vida e pela valorização do diálogo social e organização de parcerias com a sociedade civil.
Novamente em Lisboa, a Europa renasce hoje com um Tratado que refunda todo o conceito de cidadania e participação europeias. O denominado Tratado Reformador Europeu, assinado em 2008 em Lisboa pelos 27 Estados-membros, parece ser – finalmente – a resposta possível (embora longe da ideal) para o impasse criado desde a rejeição de uma Constituição Europeia. Uma solução integradora, conciliadora, mas sofrível, conseguida então sob a batuta da Presidência Portuguesa da União Europeia.
Mais de meio século de construção europeia acabou por marcar profundamente a história do continente e a mentalidade dos seus habitantes. As ideias de identidade e de coesão europeias, assentes num diálogo permanente entre os interesses nacionais e o interesse comum, respeitando as diversidades nacionais e valorizando, ao mesmo tempo, aspectos que podem conferir à União uma identidade própria, não perderam ao longo dos anos o seu valor inicial. Identidade e coesão europeias que representam, no fundo, a vitória do espírito europeu, espírito esse que, hoje mais do que nunca, é indispensável para a construção de um novo futuro.
Até para a semana. Directo à Questão.
Segunda-feira, 21 de Dezembro de 2009
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
A propósito de toda uma “nova” Europa que se ergue com o recém-adoptado Tratado de Lisboa, reflectimos esta semana sobre as etapas de construção europeia, passado, presente e futuro.
Antes de tomar a forma de um verdadeiro projecto político comum e de se tornar um objectivo permanente da política governamental dos Estados-membros, a ideia de uma Europa una, em termos históricos, existia apenas no círculo restrito dos filósofos e dos visionários. A perspectiva dos Estados Unidos da Europa, de acordo com o modelo de Victor Hugo, correspondia a um ideal humanista e pacifista que veio a ser brutalmente renegado pelos trágicos conflitos que dilaceraram o continente durante a primeira metade do século XX. Foi preciso esperar pelas reflexões germinadas no seio dos movimentos de resistência ao totalitarismo, durante a Segunda Guerra Mundial, para ver emergir o conceito de uma organização do velho continente capaz de ultrapassar os antagonismos nacionais.
Altiero Spinelli e Jean Monnet, em 1950, são os fundadores das duas principais correntes de pensamento que deram corpo ao processo de integração comunitária. Por um lado, o projecto federalista, assente no diálogo e numa relação de complementaridade entre os poderes locais, regionais, nacionais e europeus e, por outro, o projecto funcionalista, orientado no sentido da delegação progressiva de parcelas de soberania, do plano nacional para o plano comunitário. Estas duas teses convergem hoje em dia, na convicção de que, a par dos poderes nacionais e regionais, deve existir um poder europeu assente em instituições democráticas e independentes, capazes de uma gestão mais eficaz do que a que resultaria de uma acção isolada de cada Estado.
A União Europeia, tal como a conhecemos hoje, é o resultado dos esforços empreendidos desde meados do século XX pelos impulsionadores da Europa comunitária. O Tratado de Paris, que em 1951 instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (conhecida como CECA), e, por outro lado, os Tratados de Roma, que em 1957 criaram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom), com as alterações neles introduzidas em 1986 pelo Acto Único Europeu, em 1992 pelo Tratado da União Europeia assinado em Maastricht, em 1997, pelo Tratado de Amsterdão, e, já em 2008, pelo Tratado de Lisboa, constituem as bases constitucionais desta União. Uma União da qual emana uma legislação própria que se aplica directamente aos cidadãos europeus e que cria direitos específicos em benefício destes últimos, interferindo no quotidiano diário dos habitantes do espaço europeu.
Tendo-se limitado, na sua primeira fase, à criação do mercado comum do carvão e do aço entre os seis Estados fundadores (França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo e Itália), a Comunidade revelou-se, antes de mais, como uma organização promotora de paz, cabendo-lhe o mérito de ter conseguido reunir os vencedores e os vencidos da Segunda Grande Guerra, num quadro institucional único.
A partir de 1957, os seis Estados-membros tomaram a decisão de construir uma comunidade económica assente na livre circulação de trabalhadores, bens e serviços. Os direitos aduaneiros sobre os produtos industriais viriam a ser totalmente eliminados em 1 de Julho de 1968, enquanto as políticas comuns, em especial a política agrícola e a política comercial, viriam a ser instauradas ao longo dessa década.
Os êxitos alcançados pelos Seis levaram o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda a juntar-se-lhes após difíceis negociações a que a França do General de Gaulle opôs o seu veto por duas vezes - em 1961 e 1967. O primeiro alargamento, que em 1973 fez passar de seis para nove o número de países membros da Comunidade, foi acompanhado de um aprofundamento das suas atribuições, mediante a criação e a execução de novas políticas.
Desde o início da década de 70 que se tornava imperiosa uma convergência das economias e a criação de uma união monetária, já que a suspensão da convertibilidade do dólar em ouro inaugurava uma era de grande instabilidade monetária a nível mundial, agravada pelos efeitos dos choques petrolíferos de 1973 e 1979. A criação do Sistema Monetário Europeu, em 1979, aquele que foi o primeiro passo para a moeda única, contribuiu para a estabilização das relações cambiais, inspirando aos Estados-membros políticas de rigor que permitiam manter laços de solidariedade entre todos e a observância das regras próprias de um espaço económico aberto.
Na próxima semana, prosseguiremos a nossa reflexão sobre os novos e velhos desafios da Europa.
Quarta-feira, 9 de Dezembro de 2009
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
A 9 de Dezembro de 1854, faz hoje precisamente cento e cinquenta e cinco anos, morria em Lisboa o escritor e dramaturgo romântico, Almeida Garrett.
Garrett nasceu no Porto, em 4 de Fevereiro de 1799. Filho segundo do selador-mor da Alfândega do Porto, passa a adolescência na ilha Terceira. Em 1816, tendo regressado ao continente, inscreve-se na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Leis, sendo aí que entra em contacto com os ideais liberais. É na cidade dos estudantes que organiza uma loja maçónica, frequentada por alunos da Universidade.
Participa entusiasticamente na revolução de 1820 e, enquanto dirigente estudantil e orador, defende o vintismo com ardor escrevendo um Hino Patriótico recitado no Teatro de São João. Em 1821 estabelece-se em Lisboa, onde continua a publicar escritos patrióticos, concluindo a Licenciatura em Novembro deste ano. Em 11 de Novembro de 1822, casa com Luísa Midosi.
A Vilafrancada, o golpe militar de D. Miguel que, em 1823, acaba com a primeira experiência liberal em Portugal, leva-o para o exílio. Estabelece-se em Março de 1824 no Havre, cidade portuária francesa na foz do Sena, mas em Dezembro está desempregado, o que o leva a ir viver para Paris. De 1828 a 1831 vive em Inglaterra, indo depois para França, onde se integra num batalhão de caçadores, e mais tarde, em 1832, para os Açores integrado na expedição comandada por D. Pedro IV. É por terras açorianas que se transfere para o corpo académico, sendo mais tarde chamado, por Mouzinho da Silveira, para a Secretaria de Estado do Reino.
Em 1838 é nomeado cronista-mor do Reino, organizando logo no princípio de 1839 um curso de leituras públicas de História. É entretanto eleito deputado nas eleições para a nova Câmara dos Deputados cartista. No ano de 1843 começa a publicar, na Revista Universal Lisbonense, as Viagens na Minha Terra, descrevendo a viagem ao vale de Santarém começada em 17 de Julho. Anteriormente, em 6 de Maio, tinha lido no Conservatório Nacional uma memória em que apresentou a peça de teatro Frei Luís de Sousa, fazendo a primeira leitura do drama. São duas das suas mais emblemáticas obras.
Com o fim do Cabralismo e o começo da Regeneração, em 1851, Almeida Garrett é consagrado oficialmente. É nomeado sucessivamente para a redacção das instruções ao projecto da lei eleitoral, como plenipotenciário nas negociações com a Santa Sé, para a comissão de reforma da Academia das Ciências, vogal na comissão das bases da lei eleitoral, e na comissão de reorganização dos serviços públicos, para além de vogal do Conselho Ultramarino, e de estar encarregado da redacção do que irá ser o Acto Adicional à Carta. Em 25 de Junho é agraciado com o título de Visconde, em duas vidas.
Em 1852 é eleito novamente deputado e, mais tarde, ministro dos Negócios Estrangeiros. Morre em 9 de Dezembro de 1854 devido a um cancro de origem hepática, tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres.
Evocamos Garrett com um poema intitulado “Beleza”, uma homenagem ao amor e ao belo, incluída na colectânea “Folhas Caídas”.
Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.
Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso? - Não; só formosura.
Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama! - O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:
É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.
Até para a semana. Directo à Questão.
Sexta-feira, 4 de Dezembro de 2009
Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
Passam vinte e nove anos sobre a morte de Francisco Sá Carneiro, ex-primeiro-ministro de Portugal. Quase três décadas sobre o acontecimento, permanecem todas as dúvidas e interrogações sobre aquele que ficará para a história como o “Caso Camarate”.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro foi primeiro-ministro durante cerca de onze meses, em 1980. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e exerceu a advocacia no Porto. Foi um dos fundadores da Cooperativa Cultural Confronto e director da Revista dos Tribunais. Deputado independente, pertenceu à chamada ala liberal de 1969 a 1973. Após o golpe militar de 25 de Abril de 1974, foi um dos fundadores do PPD, presidindo seus destinos. Fez parte do primeiro governo provisório como ministro-adjunto.
Líder do PSD, a nova denominação do PPD, com o CDS e o PPM constituiu em 1979 a Aliança Democrática, conhecida como AD, que venceu as eleições intercalares. Com isso, ascendeu a chefe do Governo. Obteve a maioria absoluta nas eleições de 5 de Outubro de 1980. Faleceu em 4 de Dezembro desse ano, vítima de um acidente de aviação, com um Cessna, em Camarate, quando se dirigia para o Porto, a fim de tomar parte num comício de apoio a António Soares Carneiro, candidato a Presidente da República pela AD. Uma morte envolvida em polémica. Um mero acidente? Um atentado? A dúvida ainda hoje permanece.
O Caso Camarate nunca foi a julgamento. Em causa está um dos mais negros e pior explicados eventos da história recente portuguesa. Em 1991, uma Comissão Parlamentar criada na Assembleia da República para o efeito declarou reiteradamente, em modo tendencialmente unânime, após apuradas e cuidadosas investigações, que existiam fortes indícios de ocorrência de crime em Camarate e que os autos deveriam ser levados a julgamento. No entanto, o caso não seguiu para julgamento logo em 1991, nem sequer em 1995, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito concluiu os seus trabalhos.
Neste tipo de casos, diz o Direito, só o tribunal de julgamento poderia, em definitivo, apreciar os factos apurados e declarar a ocorrência de crime, determinando em simultâneo a responsabilidade dos indiciados. Foi este passo fundamental da Justiça Portuguesa que foi sucessivamente impedido, ao arrepio de repetidas inquirições parlamentares e respectivas recomendações, para averiguação e estabelecimento das causas e circunstâncias das mortes.
No final de Novembro de 2006, José Esteves, antigo segurança de Sá Carneiro, garantiu, numa entrevista publicada pela revista Focus, que o ex-primeiro-ministro tinha sido assassinado, chegando a confessar-se como o fabricante da bomba que fez explodir o Cessna. O advogado dos familiares das vítimas do Caso Camarate, Ricardo Sá Fernandes, sublinhou na altura que era “a primeira vez que alguém assumia expressamente a autoria do atentado”. Contudo, como o caso já se encontrava prescrito, o então Ministro da Justiça, Alberto Costa, afirmou que o Governo não avançaria com qualquer medida no sentido de levar o caso a julgamento.
Passaram esta sexta-feira vinte e nove anos sobre o brutal acidente. No entanto, o mistério sobre o caso persiste, por entre um rol de suspeitas e inúmeras teorias da conspiração. Muitas dúvidas, uma única certeza. Sá Carneiro, um ilustre servidor do Estado Português, não merecia tudo o que esse Estado tem (ou sobretudo não tem) feito pela resolução de mais um dos muitos casos que ensombram a Justiça portuguesa.
Até para a semana. Directo à Questão.