Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.
A 17 de Fevereiro de 1673, faz hoje precisamente 337 anos, morria na cidade de Paris o comediógrafo francês Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière.
Filho de um artesão parisiense, Poquelin ficou órfão da mãe quando ainda era criança. Entrou em 1633 na prestigiada escola de Jesuítas do Collège de Clermont, onde completou a sua formação académica em 1639. Quando chegou aos 18 anos, o seu pai passou-lhe o título de Tapeceiro ordinário do rei e o cargo associado de criado de quarto, pelo que teve desde cedo contacto com o rei.
Desde cedo se interessou pelo teatro que estava muito na moda na altura, principalmente depois de Luís XIII, a pedido de Richelieu (que também era apreciador desta arte), ter honrado a profissão de comediante com um código de moralidade. Em Junho de 1643, juntamente com a sua amante Madeleine Béjart e um irmão e uma irmã dela, fundou a troupe de teatro L'Illustre Théâtre.
Fazem algumas actuações na província e, em 1644 apresentam-se em Paris, no Jogo da Péla dos Métayers. Nesta altura passa a dirigir a companhia, que, entretanto, entra na bancarrota em 1645. A partir dessa altura assumiu o pseudónimo de Molière, inspirado no nome de uma pequena aldeia do sul de França. A falência da companhia valeu-lhe algumas semanas de prisão por causa das dívidas. Foi libertado graças à ajuda do pai. Partiu, então, numa tournée pelas aldeias como comediante itinerante. Esta vida errante durou cerca de 14 anos, durante os quais actuou com a companhia de Charles Dufresne.
Molière chegou a Paris em 1658, onde apresentou no Louvre a tragédia Nicomède de Corneille e a sua pequena farsa “O Médico Apaixonado”, peças que haveriam de projectar definitivamente a sua obra. Apesar da sua preferência pelo género trágico, Molière tornou-se famoso pelas suas farsas, geralmente de um só acto e apresentadas depois de uma tragédia.
A crítica à hipocrisia religiosa levantou contra Molière o clero católico, que conseguiu proibir “Tartuffe” por cinco anos e “Dom Juan ou O banquete de pedra”, obra da mesma época, por toda a vida do autor. Em 1665, contudo, Molière conseguiu outro triunfo clamoroso com “O Misantropo”, paródia de um personagem de princípios rígidos que não considera ninguém digno de comparar-se com ele e, para além de sua absurda arrogância, ignora, como muitos dos protagonistas do comediógrafo francês, a sua verdadeira natureza.
Depois das peças “Médico à Força” e “Anfitrião, Molière criou “O Avarento”, uma das suas obras-primas. A paradoxal condição do personagem central, desumano na sua paixão pelo dinheiro e desejoso ao mesmo tempo de amor e respeito, foi descrita por Goethe como mais trágica do que cómica. De qualquer modo, a comicidade da obra repousa não na farsa hilariante, mas na percepção da ambiguidade da natureza humana e, talvez por essa razão, foi pouco apreciada.
Os últimos anos da vida de Molière foram marcados por uma contínua degradação em sua saúde. Apesar disso, ele foi capaz de produzir comédias notáveis como “O Burguês Fidalgo” e “As Sabichonas”. Nelas, como em toda sua obra, Molière mostra o principal recurso estilístico que soube criar e que transformaria toda a arte da comédia: a utilização precisa do diálogo, da interacção entre as diferentes personagens, com uma linguagem adequada à natureza e ao nível social de quem o empregava, fossem eles nobres, burgueses, farsantes ou criados.
Em 17 de Janeiro de 1673, enquanto representava no palco o protagonista da sua última contudo uma das suas mais admiráveis obras, “O Doente Imaginário”, Molière sofreu um repentino colapso e morreu poucas horas depois, na sua casa de Paris. Como foi referido com frequência na época e ainda hoje com alguma ironia, não foi assim tão de estranhar que o mestre do duplo sentido e da dissimulação tenha encerrado a sua admirável vida e brilhante carreira no momento em que encarnava um falso doente.
Génio da literatura francesa e universal, Molière adoptou as formas tradicionais da comédia e revitalizou-as num novo estilo, em que os contrários se confrontam, em que as antíteses se definem: a verdade opõe-se à falsidade, a inteligência ao pedantismo. Esse estilo, unido à aguda percepção do absurdo da vida quotidiana, deu às obras de Molière um carácter inimitável.
Até para a semana. Directo à Questão.