Segunda-feira, 10 de Maio de 2010

Algumas Reflexões Sobre o Atraso Competitivo Português (III)

 

 

Ora viva. Estamos de volta. Directo à Questão.

 

O atraso competitivo de Portugal é uma expressão que nos habituámos a ouvir e ler nos últimos anos e que assume uma conotação de um certo fatalismo à portuguesa, como se este nosso fado estivesse escrito nas estrelas por um Deus maior. Concluímos hoje a nossa reflexão sobre os factores históricos que condicionam o eterno atraso competitivo luso.

Eis-nos chegados a 1974 e ao mais importante marco histórico do passado recente português. A revolução de Abril, pondo cobro a uma forte concentração do poder económico num reduzido número de grupos económicos, prometia promover não só uma distribuição dos rendimentos mais igualitária como, através das nacionalizações, permitir acumulação de capital e reforçar a competitividade económica por via estatal. A verdade é que muitos dos objectivos foram irrealistas e as perturbações saídas da revolução provocaram inúmeros conflitos laborais com consequências bastante negativas. O aumento acentuado dos salários reais teve consequências na perda de competitividade de inúmeras unidades industriais, com a perda de produtividade e com consequentes perdas de vendas e de exportações. Destacam-se também a diminuição dos fluxos de turistas e das remessas de emigrantes e a fuga de capitais para o estrangeiro.

Apesar disso, este período fica definitivamente marcado como o início do alargamento da Segurança Social, da criação do Serviço Nacional de Saúde, da melhoria das infra-estruturas de transporte, saneamento e electrificação, importantes factores de desenvolvimento que puderam dotar o país de melhores condições para numa fase posterior aproveitar economias de escala e de proximidade. A aposta nas nacionalizações de empresas privadas veio a revelar-se ineficaz e, depois de 1986, verificou-se uma aposta no reforço da concorrência interna por via de uma crescente vaga de privatizações.

A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1986, inaugurou um período muito importante para a competitividade nacional. Sob um contexto internacional extremamente favorável, Portugal soube aproveitar algumas das vantagens de que dispunha. A média de crescimento até 1994 cifrou-se nos 4,4% e coincidiu com a resolução dos problemas de desequilíbrios externos (sobretudo no défice da balança de pagamentos) e na promoção da melhoria das condições de competitividade por via da eficiência dos factores produtivos. A estabilidade política ajudou ao aumento do nível de vida nacional, com ganhos nos termos de troca e uma evidente, mas sustentada subida dos salários e pensões, que não colocaram em causa o equilíbrio macroeconómico. A inflação desceu consideravelmente ao longo deste período, bem como a taxa de desemprego. A afluência de Investimento Directo Estrangeiro permitiu dotar as unidades produtivas nacionais de melhor know-how, de capital para investimento e o desenvolvimento de alguns sectores considerados estratégicos, como tão bem diagnosticou Michael Porter no seu estudo da economia nacional.

Tal como no chamado período de ouro da economia portuguesa, também nesta fase foi seguida uma estratégia de promoção das exportações sobretudo por via da desvalorização competitiva da moeda nacional. Esta desvalorização fomentou a competitividade por via dos baixos custos salariais praticados em Portugal face à maioria dos países membros da CEE, recorrendo ao instrumento cambial. Esta estratégia, apesar de servir os interesses da indústria exportadora, foi altamente penalizadora para as importações nacionais e originou uma perda pontual de rendimento disponível por parte das famílias com uma subida ligeira da taxa de inflação.

Com a assinatura do Tratado que instituiu o mercado único europeu e entretanto abdicando da sua moeda em favor do euro, Portugal estabelecia no final dos anos 90 do século passado uma nova orientação para a sua estratégia de competitividade. A perda de controlo sobre a taxa de juro e da taxa de câmbio elevou o orçamento nacional ao mais alto patamar enquanto principal instrumento de política económica.

Portugal enceta, nesta altura, um caminho cujos expoentes para a competitividade passaram a ser a promoção da qualificação dos seus recursos humanos, a aposta na inovação nos produtos e serviços e difusão do conhecimento, bem como a orientação para a concorrência pela qualidade e não tanto pelo preço. Sobretudo após a adesão de novos estados membros, do leste da Europa, a competitividade portuguesa é marcada por um confronto entre os modelos do passado, assentes em custos salariais reduzidos e na promoção de preços competitivos, e a promoção da excelência da sua criação de produtos e serviços inovadores baseados em mais valias das competências dos seus recursos humanos. Esta encruzilhada, num contexto de crise macro-económica à escala global, de regras apertadas em termos orçamentais por via das restrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de divergências face ao crescimento com os restantes parceiros europeus, hoje mais do que nunca, coloca a competitividade nacional na ordem do dia em termos de prioridade estratégica.

 

 

Até para a semana. Directo à Questão.

 

publicado por Ricardo às 14:05
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